Muitos de vocês já confiaram em mim para que os guiasse num ambiente que, embora seja intrinsecamente parte de nós, anda meio retirado de nós (ou nós é que fomos retirados dele). Vocês aceitaram o convite para trilhar comigo nestes ambientes naturais pouco adulterados e contaminados por nós.
Nós seres humanos temos o impulso genuíno de desbravar o mundo. Pode ser que a noção mais imatura que tenhamos sobre desbravar seja a de exercer um domínio opressivo sobre o mundo natural. Como se precisássemos tornar a natureza submissa à nossa vontade. Mas desbravar pode ser simplesmente amansar o mundo e, mais que isso, pode ser conquistar a simpatia, tornar-se amigo do mundo. Num movimento de abertura ampliar a nossa vizinhança, derrubar muros, expandir o nosso quintal para que nele, cada vez mais, caiba mais do mundo. Para poder andar por esta vizinhança tranquilo em estado de serena contemplação. Um anseio profundo de vencer a separatividade e o medo que surge do estranho e desconhecido. É sentir que não somos invasores, embora possamos de início sentirmo-nos apenas convidados, para depois descobrirmo-nos filhos do Anfitrião e, consequentemente, parte inseparável desta mesma Natureza.
Acredito ter sido equipado pela Natureza com o dom de reconhecer com mais facilidade este pertencimento e parentesco com ela mesma e talvez por isso possa fazer este papel de mediador, de mestre de cerimônias nos ambientes naturais e isto se tornou também uma missão e meio de subsistência nos últimos anos.
Mas existe um outro ambiente a ser desbravado, tão ou mais assustador e desafiador que os ambientes selvagens. Todos nós também temos necessidade de percorrer o nosso mundo interior que é ainda mais amplo e misterioso que o mundo exterior. Todos nós já vagamos naturalmente por estes territórios íntimos de forma mais ou menos inconsciente. Embora não falemos muito sobre estes passeios e viagens, elas são reais e provavelmente ainda mais importantes do que os percursos que realizamos fora de nós.
“Os olhos do espírito não podem encontrar em nenhum lugar nada mais ofuscante, nada mais tenebroso que o homem; não poderão fixar-se em nada mais temível, mais complicado, mais misterioso e mais infinito. Existe uma coisa que é maior que o mar: o céu. Existe um espetáculo maior que o céu: é o interior de uma alma.”
Victor Hugo – Os Miseráveis
Sempre me senti um pouco deslocado por dar tanta importância e por passar tanto “tempo” nestas sondagens, nestas aventuras imensuráveis por territórios sem mapas definidos e com referências muito menos precisas. Mas percebi que aos poucos, de tanto insistir, tenho me tornado melhor em ler estes mapas imateriais e estas referências subjetivas. Aos poucos, também tenho me sentido mais seguro e preparado para descrever estes caminhos.
A partir de agora quero contar um pouco mais sobre estas aventuras, sobre estas descobertas.
“Neurônios-espelho do cérebro. Quando nós, humanos, observamos alguém fazer ou sentir algo, esse aglomerado de neurônios se acende da mesma maneira que alguns neurônios da pessoa que observamos. Por exemplo, os mesmos neurônios disparam, em graus variados, quer estejamos chutando uma bola, vendo outra pessoa chutar a bola, ouvindo o som de alguém que chuta uma bola, ouvindo ou dizendo a palavra chute. Em consequência, são considerados parcialmente responsáveis pela capacidade humana universal da empatia. Em outras palavras, às vezes não apenas sabemos como outra pessoa se sente, mas chegamos, até certo ponto, a sentir o mesmo.” Elaine N. Aron – Pessoas Altamente Sensíveis
Assim eu tenho me apropriado de ensinamentos diretos e indiretos de todos aqueles com os quais convivi, de experiências que pude observar e sentir como minhas. De tudo que li, ouvi, toquei. De todos os perfumes e sabores que a vida me proporcionou. E mesmo longe de ser um “iluminado” sei que tenho lá os meus lampejos de luz.
“A humildade é o olho que lê no livro da vida e no livro do universo. Ao espírito culto e humilde, as luzes vêm de todos os lados: agarram-se a ele como aurora aos cumes.” Antonin Sertillanges – A Vida Intelectual
O Eleve-se (www.eleve-se.com) pretende ser uma janela onde poderei mostrar um pouco destas viagens pessoais e por isso mesmo universais, afinal:
“O que é mais pessoal é mais universal.” Carl Rogers
Um pouco diverso do que se espera hoje em dia, não pretendo criar uma persona e estilo de escrita para entreter um “público alvo”. Vou “falar” sobre aquilo que é importante para mim desde sempre e momento a momento. Não pretendo falar sobre os “ismos” da moda e se o fizer será para fazer um contraponto, um questionamento. Questionamento que pode ser divergente e desconfortável mas longe de estabelecer alguma certeza, pois aprendi que ter certezas o tempo todo pode ser uma forma de estar errado na maior parte do tempo.
Em 2009 quando retornei ao mundo das trilhas, foi para atender uma necessidade minha de contato íntimo com a Natureza, por uma necessidade de cura pessoal. E compartilhar este processo (guiar) foi completamente inesperado, e ao mesmo tempo uma maravilhosa serendipidade.
Nos últimos anos, para mim, escrever também se tornou uma forma de autocura. Quem sabe aonde isso vai dar?
Então venho humildemente convidá-los para tomar contato com a minha forma particular de desbravar este vasto e misterioso mundo.
“A intimidade é de fato, como geralmente se crê, o último reduto da solidão. Mas basta que ela se descubra a nós para que a solidão cesse. Ela nos revela um mundo que está em nós, mas no qual todos os seres podem ser recebidos. No entanto, pode surgir a suspeita de que ainda estamos sós e de que este mundo não passa de uma ilha de sonho. Mas, se um outro ser entra conosco, de repente o sonho se realiza e essa ilha é o continente: então se produz a mais aguda emoção que podemos sentir. Ela nos revela que nosso mundo mais secreto, e que julgávamos tão frágil, é um mundo comum a todos, o único que não é uma aparência, um absoluto presente em nós, aberto diante de nós, e no qual somos chamados a viver.”
Louis Lavelle – O Erro de Narciso
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